Fardado ou não, és e sempre foste um bonito rapaz. Um pouco timido até. Mas isso às vezes até convinha, porque nestas coisas do amor é costume a paixão sobrepor-se à razão. Um homem não é uma mosca e nem é de ferro. Dizem as estatísticas que 10% dos suicídios anualmente são originários de desgostos de amor e não de qualquer febre gripal apanhada nas épocas mais frias, nas restantes ainda se está para saber. Um homem rebaixa-se até a esse ponto. O Luís até foi um deles. Passava os dias com os seus delírios junto ao cais à tardinha. Convivia com a fauna que descia a Bica. Vadios, bêbados, fadistas, chulos e as meninas de mau porte, enquanto as gaivotas aterravam ali perto, enviando-lhe mensagens ocultas que o ajudavam a prever o futuro. Fugiste a sete pés pela Rua do Alecrim e com as calças na mão depois de uma noite de orgíaca descompostura, perseguido por uma onda de maridos enganados. Mas nesta era de crise e de horrores, de tédios tamanhos, quem te considerou um "chato" foi o Alberto Cossery e os amantes da sua indolência, que passam o tempo a corar ao sol neste Vale Fértil. Já há muito que desterraram o Luís por o acharem deprimente e que do estudo a isso são obrigados, numa tentativa assaz anti-pedagógica de desviar as atenções para a arte de pintar paredes, estar in nas noites de boémia do Bairro Alto e de apreciar a cultura e os deslumbres da poesia hip-hop. Por isso, há que atirar para a fogueira das iniquidades os teus cantos, porque o que está a dar são as licenciaturas para a cidadania de futuros bijagós. Sabes quem está muito na moda? É o José Saramago. Não há bicho-careto que não o cite e lhe faça o retrato. Mas ainda assim não aparece tatuado. Não foi o Cesariny que disse, "o génio é incompatível com a habilidade". Vamos por isso acreditar nos génios. Mesmo que um dia também morram. Também eu agora não estou interessada em ser tua musa. Fartei-me de ser a tuba para os mais carentes em versão canora e belicosa, como dizias. Mas isso era no tempo do vinil.