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Carta de Madalena Iglésias a Luís Vaz de Camões

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Fardado ou não, és e sempre foste um bonito rapaz. Um pouco timido até. Mas isso às vezes até convinha, porque nestas coisas do amor é costume a paixão sobrepor-se à razão. Um homem não é uma mosca e nem é de ferro. Dizem as estatísticas que 10% dos suicídios anualmente são originários de desgostos de amor e não de qualquer febre gripal apanhada nas épocas mais frias, nas restantes ainda se está para saber. Um homem rebaixa-se até a esse ponto. O Luís até foi um deles. Passava os dias com os seus delírios junto ao cais à tardinha. Convivia com a fauna que descia a Bica. Vadios, bêbados, fadistas, chulos e as meninas de mau porte, enquanto as gaivotas aterravam ali perto, enviando-lhe mensagens ocultas que o ajudavam a prever o futuro. Fugiste a sete pés pela Rua do Alecrim e com as calças na mão depois de uma noite de orgíaca descompostura, perseguido por uma onda de maridos enganados. Mas nesta era de crise e de horrores, de tédios tamanhos, quem te considerou um "chato" foi o Alberto Cossery e os amantes da sua indolência, que passam o tempo a corar ao sol neste Vale Fértil. Já há muito que desterraram o Luís por o acharem deprimente e que do estudo a isso são obrigados, numa tentativa assaz anti-pedagógica de desviar as atenções para a arte de pintar paredes, estar in nas noites de boémia do Bairro Alto e de apreciar a cultura e os deslumbres da poesia hip-hop. Por isso, há que atirar para a fogueira das iniquidades os teus cantos, porque o que está a dar são as licenciaturas para a cidadania de futuros bijagós. Sabes quem está muito na moda? É o José Saramago. Não há bicho-careto que não o cite e lhe faça o retrato. Mas ainda assim não aparece tatuado. Não foi o Cesariny que disse, "o génio é incompatível com a habilidade". Vamos por isso acreditar nos génios. Mesmo que um dia também morram. Também eu agora não estou interessada em ser tua musa. Fartei-me de ser a tuba para os mais carentes em versão canora e belicosa, como dizias. Mas isso era no tempo do vinil.

6 comentários:

Teté disse...

Linda, a carta da Madalena!

Mas ela ainda está no tempo do vinil, não? E o Camões no dos cantos e sonetos. Não percebem nada destas novas gerações, em que o culto é ao MP3, ao hip-hop e aos graffitti... :)

Beijoca, Carlos!

Laura disse...

Bem estava a achar destoada essa prosa por sinal bem gira, mas, realmente eles nem têm nada a ver com nada, nem o Saramago é do tempo do camões ou dos camones..agora é tempo de tudo, mas a madalena está linda nessa foto e agora é mais velha que eu.. e o vinil já tá riscado dos velhos tempos...beijinhos.

Rafeiro Perfumado disse...

Pois eu recuso-me a alinhar na onda Saramago, para mim é e continuará a ser alguém que não sabe pontuar uma frase.

Abraço!

Carlos II disse...

laura,
Nem é preciso que as coisas tenham a ver umas com as outras. E preciso é brincar com as palavras e dizer umas coisas com sentido.

Conduso? Nem por isso.

Daniel disse...

Carlos II

Desembarquei ali na Travessa do Abarracamento de Peniche, degluti umas carôchas e bebi um imperial!
Entretanto, foi lendo o texto. Voltei a ler, porque aprecio, certo tipo de comicidade.
No sítio do Val Medo, a cerca de 9 K da cidade de Peniche, podem apanhar-se caracoletas (diga-se carôchas), em qualidade e quantidade. Também nas bermas da estrada, que vai de Peniche à Lourinhã,
À fé de quem sou!...
Abraço,
Daniel

Laura disse...

ai rafeirito, também me disseram que ele não sabe pontuar mas tem quem pontue..eu tamém não sei,ser surdo é complicado e..mas esforço-me e muito...mas, toma lá é um prémio nobel, olha lá!...