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Arquivos II

domingo, 28 de outubro de 2007

A cidade de Luanda fervilhava a um ritmo intenso onde nós militares forneciam uma dose de movimento, juventude e alegria.

Quando cheguei impressionou-me a terra numa tonalidade avermelhadada e quente num Abril igualmente com um sol radioso. Depois de uns dias no Campo Militar do Grafanil, enfrentrei pela primeira vez a cidade. Havia a necessidade de trocar os meus escudos que trazia da Metrópole por angolares numa terra que se dizia que era nossa. Não percebi. Esse change era realizado mesmo ali na rua junto a um café com bilhares num pequeno largo onde ficava um outro café o Versailles, onde comecei a frequentar com meus camaradas. Bem perto ficava a Mutamba, ponto de partida e chegada das camionetas de transportes públicos para diversos pontos da cidade. Percebi da qualidade de vida patenteada pelos brancos. O seu ar feliz nos fins-de-semana enchendo os cafés e restaurantes nas inúmeras esplanadas em contraste com os lugares mais lúgubres dos bairros de negros, onde às vezes me deslocava mas sempre acompanhado. Evitava lá ir fardado, porque havia notícias de rixas valentes com moradores e a soldadesca.

Nas férias pude apreciar a beleza da baía de Luanda à noite, onde na praia do Mussolo se podia tomar banho, beber uma cerveja, acompanhado com marisco que era barato. No dia do meu aniversário com dois amigos do meu pai que residiam na rua Luís de Camões, tive a oportunidade pela primeira vez comer lagosta, o que nunca mais aconteceu na vida. Na marginal extensa e movimentada destacava-se o edifício mais alto, o banco de Angola, era onde se tirava as fotos para mais tarde recordar. Terminava no porto de embarque e desembarque de navios, onde um dia deixei esta terra de indiscutível beleza.

Não havia apartheid, mas os serviços menos qualificados eram para os negros, engraxadores, vendedores de lotaria, empregados nas cozinhas dos restaurantes, arrumadores nos cinemas, e actividades congéneres. O ambiente era de uma certa harmonia social, apesar do ambiente de guerra e na constante presença dos militares.

Nunca perguntei o que estava ali a fazer nem considerei que estava a desperdiçar os melhores anos da minha vida. Mas o regresso foi festejado com alegria. Alegria do dever cumprido e ter conhecido a tão cantada África. Não tenho saudades, porque sou muito lisboeta.

Dedico estas simples palavras à muito humana bloguista Laura, sempre pronta a disponibilizar os seus tempos para me visitar com suas palavras simples.

8 comentários:

Laura disse...

Ah meu amigo...Era isso mesmo, como eu disse um dia à Alkinha, nem me apercebi que havia guerra e que estavamos lá apenas por estarmos protegidas por vós, os valentes e pobres soldados que para lá foram...Eu talvez por não ouvir, muitas e muitas coisas me passavam ao lado, devia ser isso, e com 20 anos somos uns parvinhos que temos a mania que sabemos o que é a vida. Nada disso, a vida aprende-se e só com a minha carga deles é que me apercebi das coisas, mas, tarde demais como sempre...tarde demais, demasiado tarde para levantar meu grito de PAZ...

Carlos, deixas-me com mais saudade depois de falares na nossa Mutamba, do Mussulo para onde só se podia ir de barco, o Kaposoka, lembras-te? passei lá umas semanas em contacto com a natureza, levei a Gi a minha amiga poetisa, a tal da nina que me veio visitar a semana passada e não via há 34 anos...Aquilo era um manancial de mangas, lembras-te? comiamos as ditas dentro da água, escorriam pelos braços abaixo, chupávamos as cascas e era só deixar os braços ir abaixo de vinham lavadinhos...o peixinho que se pescava ali memso a meio da água, mas que saudades... Tinha lá um bocadinho de encosto e atravessei aquilo sózinha, a nado, devagar, e consegui, mas se não conseguisse tava lixada, não havia ali viva alma, os pais estavam na casa.
Foi como eu, nãos enti nada demais, achava naturalíssimo estarmos ali e claro que era o nosso destino ir até aquela terra, comer as lagostas que eu adoro e não consigo comer agora, porque são caras cumó raio que os parta que fazem tudo ser caro. Não ias ao Cacuaco comer camarões? beber uma Cuca ou Nocal?
O grafanil fui lá imensas vezes, e quanto às ninas quererem oficiais, tive alguns a arrastar a asa e nem lhes liguei ehhhhhh...
Belos tempos e belas recordações, é que eu vivo muito no mundo da saudade, e, claro que não deixo de andar neste, mas é um escape muito grande, quando a vida aqui me dói mais...
Obrigada pelo post querido e por mo dedicares, fiquei surpresa e feliz.
beijinho acompanhado daquele abraço que as almas boas dão...

Ai vai uma poesia que fiz em tempos, lembranças apenas e nada mais, ams que na altura doeram, enfim..é a vida a levar nossos passos para onde nem queremos, mas, temos de ir...

Lembranças do passado...



Lembranças do passado
Que volta sempre que o chamo,
Porque com ele vem também
O amor do homem que amo...

Um amor que ficou naquela terra
Que foi para mim mais que mãe,
Pois uma mãe nunca engana
Nem nos desdenha também...

Amor que começou tão cedo ainda,
E que me levou ao sofrimento cedo demais,
E tudo porque não me deixavam
Amar o rapaz de quem gostava mais...

E os anos passaram em vão
Amei a tudo e todos,
Amei a rodos, sem paixão,
E magoei meu coração...

Mas aquele rapaz a quem tanto amei
Esse nunca o esqueci,
Nem dele jamais me esquecerei,
Mas nunca por ele esperei...

Porque o amor que vivi
Era apenas daquele momento,
Era livre como o firmamento
E amei-o com sentimento...

Assim nossas vidas jamais se tornarão a encontrar
Porque entre nós existe ainda,
Muita terra e muito mar...

Laura disse...

Ó carlos nem tu tens lata para vires aqui ler, reler e responder.... moço tens de responder para que tenhamos vontade de continuar, ai o menino...Beijinho de dia bom...

Laura disse...

Sempre que venho aqui, parece que ja me habituei a falar com a nina das résteas...
Olá laurinha...estás a falar com quem? ninguém te responde? pois não... Volto mais tarde e quem sabe, estará alguém para falar um tico.
Beijinhos ó carlos dos ii...acho que precisas de mais meia dúzia de iiiiiisssssss para resultar, é que...

Ahlka disse...

Olhós aqui a partilharem as coisas que viveram...

Como não as vivi, só me resta imaginar :)

Carlos II disse...

Vou responder pelo fim...claro que sempre que venho aqui responderei com gosto à Laura, mas sempre que venho aqui. Quanto aos outros visitantes, não sei. Talvez o tema não interesse. Claro, se eu colocasse aqui um tema sobre sexo ou sobre a vida íntima do rato mickey o caso mudava de figura. Mas o facto de não virem aqui ao Luz itania colocar faladura também é um factor irrelevante. Nem sempre as pessoas têm tempo disponível.

A guerra colonial ainda hoje é tabú para os portugueses. Principalmente para quem a viveu. E as novas gerações não sabem nada sobre esse tempo.

Fui ao Cacuaco, sim senhora! Lembro-me da estrada de Catete, muito recta que, suponho ia ter ao Campo Militar do Grafanil e às Mabubas, suponho. Há nomes que já não me lembro. Conheci o Caxito, Carmona, Nambuangongo - de uma beleza extraordinária - todo o Norte até Maquela do Zombo, onde terminámos a nossa comissão. E, claro, lembro-me da Lurdes, que me lavava a roupa. Vivia na sanzala
e que eu lhe pagava não em dinheiro, mas em géneros. Comprava carne, arroz, etc.

Enfim, há muitos episódios naqueles 2 anos que lá passei e que dava para fazer imensas páginas.

Ahlka disse...

....Ou não o dominem... ;)

Laura disse...

Eia Carlos...
Eu vivia em S. Paulo, logo em duas ruas, uma dava para a Rua dos Pombeiros e a fachada do prédio para a António Enes, a tal que ia dar à estrada do cacuaco, fazenda Tentativa (a do açúcar) era por lá que se ia para as Mabubas a barragem. O Casão não era no Grafanil? Ia lá fazer compras com amigas, desde tecidos que iam daqui até comidas mais baratas... Estive no caxito e em carmona, e passei dias e dias no aeroporto porque os meus amigos andavam a aprender a saltar de páraquedas ehhh...

Tinhamos uma lavadeira era a nossa francisquinha, mas que alminha boa e sempre a tratamos com educação, respeito e amizade, era muito presta e magrinha, alta, boa, boa mesmo, tinha lá os bebés dela, levava-os para lá e nós brincávamos com eles...
Beijinho a ti moço e adoraria falar cara a cara dessa nossa terra que nos serviu de modo de vida enquanto lá estivemos...

Teté disse...

Li com atenção os teus Arquivos, até porque o tema me interessa, mesmo nunca tendo estado em África.

Suponho que tiveste sorte, porque conheceste Angola de outras eras, sem ter estado realmente em palco de guerra, que ainda hoje há quem sofra traumas enormes sobre os momentos maus lá vividos.

Essa discrepância entre duas formas de viver, uns muito bem e outros muito mal, senti no Rio de Janeiro, em 1982: um super-luxo nos apartamentos de Copacabana, Ipanema, Leblon, por um lado, e as favelas lá no alto dos morros a "gritar" que existiam outras realidades. Já nessa altura achei que aquele país estava prestes a explodir devido às disparidades sociais bem patentes. Explodir nunca chegou a explodir, mas na verdade a criminalidade estúpida e sem sentido aumentou exponencialmente. Nem se tratava de brancos e negros, nem de racismo, mas de pessoas que (quase)nunca têm uma oportunidade de ter uma vida digna, por terem nascido em meios paupérrimos...

Mas falar da vida íntima do rato Mickey, às vezes, também tem a sua graça, eh, eh, eh!

Fica em!